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Mesmo numa chávena rachada.
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Oh, tínhamos lá nós uma chávena!
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Tínhamos de beber por
um jornal enrolado!
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O melhor que conseguíamos
era chupar através de um pano molhado.
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Mas sabem, nessa altura éramos
felizes, ainda que fôssemos pobres.
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- Porque éramos pobres!
- Podes crer!
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O meu pai costumava dizer-me:
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"O dinheiro não traz felicidade, filho!"
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- E tinha razão!
- Pois!
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Nessa altura era mais feliz e não tinha nada!
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Vivíamos naquela casa
minúscula, a desmoronar-se
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com grandes buracos no telhado.
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Casa?
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Sorte tinhas tu em viver numa casa!
Nós vivíamos num único quarto,
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éramos 26, sem mobília,
metade do chão nem existia,
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e amontoávamo-nos todos
num canto com medo de cair.
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Sorte tinhas tu em ter um quarto!
Nós vivíamos num corredor!
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Oh, nós sonhávamos em ter
um corredor!
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Teria sido um palácio para nós!
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Nós vivíamos num velho tanque de água
num monte de lixo.
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Acordávamos todas as manhãs
com uma descarga de peixe podre
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despejada nas nossas cabeças.
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Casa, hum!
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Bem, quando eu digo casa,
refiro-me a um buraco no chão,
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coberto por um pano de oleado,
mas era uma casa para nós!
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Nós fomos despejados do nosso buraco no chão.
Tivemos de ir viver num lago!
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Sorte tua teres um lago!
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Nós éramos 150 a viver numa caixa
de sapatos no meio da rua!
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- Numa caixa de cartão?
-Pois!
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Sorte tua!
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Nós vivemos 3 meses num
jornal enrolado numa fossa séptica!
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Tínhamos de nos levantar todas
as manhãs às 6, limpar o jornal,
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e ir trabalhar para a fábrica
14 horas por dia,
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semana sim, semana não, por 6 cêntimos
à semana e, quando chegávamos a casa,
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o nosso pai espancava-nos
com o cinto para adormecermos!